sábado, 29 de janeiro de 2011

Mundo cão

Viver tem me doído um bocado. Quando penso que a maré brava já passou, levo uma rasteira da onda turbulenta, que é a vida. Encontros, desencontros, descobertas, perdas... A cada dia convivo com  sentimentos cada vez mais opostos, dicotômicos, polissêmicos.

Um pouco perdida, caminho pelas ruas alucinadas de gente, coisas, informações, barulhos. Me canso em poucos passos. A cabeça dói, estou saturada, novamente e prematuramente saturada.

Levo um soco, caio, tento me levantar. Cambaleante, me agarro ao primeiro objeto que se pareça um suporte, que me suporte, que me reerga. Rastejo, arranhando meu corpo no asfalto áspero e cinza. Aos poucos surgem bolhas no joelho e nas mãos. Sinto dor, estou cansada. Não tem sido fácil. Prostro-me. Alguém me ajuda a levantar. Tropeço de novo, e dessa vez, faltam-me forças para querer reagir. Sinto medo. Sinto frio. Sinto culpa. Sinto culpa. Sinto culpa. Sinto nada. Estou insegura, não quero ver ninguém, não quero conversar com ninguém, não quero a mão de ninguém.

Procuro o vento, procuro o verde. Preciso da água. Preciso do farfalhar das folhas. Quero o balanço da roupa limpa no varal, esperando a chuva tomar conta do céu há pouco ensolarado. Preciso sentir por inteiro, preciso me achar no meio de tanta confusão, de tanta incompreensão.

Caminho só, mesmo cercada de gente.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Vida em profundidade

Foi assim que o ano terminou. Foi assim que o ano começou. Pensamentos velhos permeando a mente e transformando-se em sais marinhos. Reflexões novas surgindo, me envolvendo por inteira, mergulhando em mim e lavando as velhas impurezas. Não posso dizer que ressurgi das águas, mas estou sentindo-as, aproveitando-as, me limpando e me deixando levar em suas ondas. Sinto o leve bater da água cor de terra, perpassando meus poros, fazendo minha pele amolecer e meus olhos arderem. Olho para cima, vejo o céu cor azul-celeste-anil-eterno, com flocos de nuvens destacando-se, quase abraçando meu corpo. Sinto o sol tostar, dourar, enegrecer minha pele, me ardendo, me fazendo sentir viva, completa, eu. Ouço minha respiração, profunda como meus pensamentos, sinto meu coração pulsar num ritmo andante, ‘embalante’, batucando aqui dentro, e querendo mostrar o tanto de vida que pode expandir desse corpo, que já se achava desfalecido. A vida está se mostrando cada vez mais intensa, cada vez mais sincera, cada vez mais presente. A chuva acompanha meu choro, a areia me esfolia os pés, fazendo-me sentir um leve desconforto. Sinto dor, a vida me faz sentir dor, a vida me machuca, a vida me ensina.
Sozinha. Sigo sozinha. Sinto a solidão. Ser só. Estar só. Sinto-me bem. Sinto-me inteira, novamente. Sinto que estou comigo, que estou sendo, pra mim, por mim. Essa praia tão deserta mostra-se plena de vida, tão completa. O nado, o nu, a luz, a sensação. Me toco, sublimo, transcendo. Por alguns instantes, sinto-me voando... planando sobre tudo isso.
Aos poucos retorno ao mesmo velho mundo, com as mesmas velhas coisas. Sinto-as com outra densidade, outra intensidade. Vivo, vivo de verdade. Minha lente analógica me fez mudar o foco, acertar a luz, e eternizar momentos singulares que levarei comigo nessa nova caminhada. É o ciclo. Renovação.





‎"O sol, o mar, os corais; você merece - eu disse -,
            depois de tudo o que passou. Deixe os mergulhos submarinos
                          lavarem todos os velhos resíduos". (Philip Roth em O Avesso da Vida)